Diálogos entre dois Cancioneiros

O presente estudo concentra-se especificamente na poesia dos trovadores ibéricos, que dentro do quadro mais amplo do trovadorismo medieval tem as suas próprias especificidades. Desde já podemos ressaltar que, entre algumas das principais singularidades do trovadorismo galego-português, destaca-se o fato de que os meios trovadorescos ibéricos dos séculos XIII e XIV eram ambientes excepcionalmente abertos à crítica social, política e pessoal. Desde que através do discurso poético-satírico, ou travestidas através do humor, muitas críticas podiam ser proferidas e encaminhadas através das canções trovadorescas de cunho satírico, o que incluía críticas sociais e políticas de todos os tipos. Nem mesmo os reis – e aqui estaremos falando mais especificamente dos reinos de Portugal, Leão e Castela – escaparam a algumas críticas bem-humoradas, por vezes bastante severas, que ficaram registradas nas páginas desta grande produção poética. Este é, aliás, um dos sintomas mais claros de que a arena social dos trovadores ibéricos dava-se de maneira tal que todas as classes e grupos sociais podiam se criticar reciprocamente com relativa liberdade.
O aspecto principal em estudo são so grandes cancioneiros nos quais ficaram registradas as diversas cantigas do trovadorismo ibérico. Uma comparação entre o Cancioneiro da Ajuda, do século XIII, e o Livro de Canigas do Conde Dom Pedro, que mais tarde daria origem aos cancioneiros da Vaticana e da Biblioteca Nacional, constitui o ponto de partida do estudo. O estudo comparativo dos dois cancioneiros permite iluminá-los reciprocamente, e também a sociedade que os produziu.