Opösculos por Alexandre Herculano

Havia annos que os meus velhos editores e amigos, os fallecidos Irmàos Bertrands, admiraveis typos dessa modesta austeridade e dessa nobre honradez, em todas as relaäñes da vida civil, que eram gloriosa tradiäào da classe burguesa, e que a burguesia destes nossos tempos, ensanefada jÞ de ouropeis fidalgos, nào parece inclinada a manter com excessivo ciume; havia muito, digo, que os meus editores instavam comigo para que ajunctasse em volumes alguns opusculos, escriptos por mim e publicados por elles em diversas conjuncturas, cujas ediäñes se achavam de todo esgotadas. Na sua opiniào, eu devia incluir tambem nessa collecäào outros opusculos, que, ou impressos avulsamente por minha conta, ou inseridos em publicaäñes periodicas, tinham feito certo ruido, e nào se encontravam jÞ no commercio. Entendiam igualmente que nesta compilaäào de trabalhos sobre assumptos tào variados poderiam introduzir-se quaesquer outros ainda ineditos, que me nào parecessem indignos de virem a lume, o que, no seu modo de ver, daria certo realce Þ publicaäào que se propunham, e em cujo exito confiavam. Apesar das ponderaäñes que me faziam homens tào experimentados nas cousas da imprensa, hesitei muito tempo em acceder aos seus intuitos. Apïs largos annos consumidos na vida agitada das letras, em que o meu baixel mais de uma vez fora aäoutado por violentas tempestades, tinha, emfim, ancorado no porto tranquillo e feliz do silencio e da obscuridade. Olhava com uma especie de horror para as vagas revoltas da immensa lucta das intelligencias, contraste profundo da vida rural a que me acolhera. Depois, o espirito sentia bem a propria decadencia, cujos effeitos a interrupäào dos habitos litterarios devia aggravar. Reflectia, sobretudo, no tedioso de rever escriptos, parte dos quaes remontavam a tempos assÞs distantes. Podia, na verdade, devia talvez, deixÞ-los passar como estavam, no que respeita Þ maior ou menor exacäào das doutrinas, porque a pretensào Þ infallibilidade æ sempre ridicula no individuo, e eu nunca tive tal pretensào; mas era indispensavel castigÞ-los em relaäào Þ fïrma. O methodo, o estylo, a linguagem, as condiäñes, em summa, da arte de escrever sào, no mundo das letras, o que a boa educaäào, a cortesia, as attenäñes, o respeito para com os usos recebidos sào no tracto civil, o que os ritos sào nas sociedades religiosas. No ente que cogita, a idæa pïde e ha de variar com o decurso do tempo, com a ampliaäào dos horisontes do pensamento. Sobrepñe-se gradualmente a verdade ao erro, e ainda mal que, outras vezes, æ o erro que succede ao erro, quando nào Þ verdade. Aprender quasi sempre æ esquecer; affirmar quasi sempre æ negar: esquecer o que aprendemos; negar o que nïs proprios affirmÞmos. Ç por isso que, no meio de milhñes de duvidas, cada geraäào lega Þ que lhe succede poucas verdades incontrastaveis, e que a lentidào do progresso real æ um bem triste e desenganador dynamometro da tào limitada potencia das faculdades humanas. Nào assim pelo que toca Þs formulas externas das manifestaäñes do espirito.