o rasga rua

Antônio Rasga Rua, eis como ele é chamado. De pia, não sei que outro nome possa um dia ter recebido. Da Silva, talvez, nome de gente do povo, gente que igual a Antônio vive pelas cercanias do mundo, sem eira nem beira, ciganeando assim, acordando aqui, dormindo acolá, lembrando versos de uma canção que fala de alguém cujo teto são as estrelas, e cuja cama são páginas de jornal. Cidadão do mundo pode-se dizer de gente que nem Antônio Rasga Rua. Sim, porque o mundo é a sua casa, embora pareça sofismo falar assim, quando se sabe que do mundo todo mundo é cidadão, visto que é nele que cada um de nós, a quem foi dado o milagre da existência, habita, ainda que olhos cibernéticos sondem a escuridão dos espaços em busca de outros mundos, o mundo possível para se viver, aquele sobre o qual temos plantados os nossos pés, e, sabe-se lá quem, se Deus ou se a natureza por si, plantou tudo o mais que nos faz companhia nesse ofício de viver, as árvores, os bichos, as águas, o fogo, o que há para dor ou deleite, de tudo no mundo há - e não fosse a nossa empáfia, fôssemos humildes diante da criação, diríamos de um modo até franciscano que cada bicho e cada planta, cada ser vivente, enfim, igualmente cidadão do mundo é. A linguagem tem lá os seus limites, quer seja para o bom entendimento dos pensamentos e das emoções, quer seja por deficiência de um léxico que não aborda adequadamente o insondável, o certo é que somente podemos chamar de cidadão um ser que caminha sobre dois pés, cujas garras transformaram-se em sensíveis dedos, e cujo cérebro abriga um universo de sonhos e fantasias.