O Napoleão De Notting Hill

Este romance, escrito em 1904 e passado numa Londres de 1948, seria hoje considerado uma obra de ficção política especulativa e surrealista . No enredo, a Inglaterra decidira há muito escolher os seus monarcas numa espécie de lotaria. Auberon Quin, um farsante incorrigível, ascende ao trono, e transforma o estado no seu recreio. Inventa discursos excêntricos, uniformes complexos e costumes complicados para as autoridades londrinas, em nome do localismo . Era suposto que o patriotismo de rua fosse mais uma anedota. Há no entanto um jovem que leva estas coisas a sério, pois com a regionalização não se brinca. É Adam Wayne, da freguesia de Notting Hill. Começa a transportar uma espada, jura defender o microterritório, não esquece as casacas, as cores, as bandeiras, os símbolos. O autor, protestante convertido ao cristianismo, escreve num Reino Unido do início do século XX, em que o som da demagogia, misturado com o perfume do império e as revoluções falhadas, ou a falhar, anunciavam coisas negras. Tão negras como a peste antiga. Há quem diga que o livro foi a verdadeira influência do 1984 de George Orwell, e de Lotaria Solar, de Philip K. Dick (o pai genuíno de Relatório Minoritário).