Além do espaço de nós mesmos

Devemos saudar Ana Clara Santiago como nova romancista que, com este romance, Além do espaço de nós mesmos, virá ocupar importante espaço na literatura brasileira. Não é estreante, visto já haver publicado livro, é conhecida autora de argumentos e roteiros para teatro e televisão, além de advogada, sendo a primeira vez que se propõe a texto mais complexo, que é a trama de um romance, e creio estar atingindo sua grande força na criação de fábulas e personagens. E mais complexo ainda, quando resolve subverter a narrativa tradicional, e criar um texto em que manipula o tempo e espaço, e subverte ainda o destino físico e imaterial dos personagens.
O mistério é seu fundamento essencial nesta história. Na sua fabulação, carregada de metáforas, lida com personagens que vivem no interior de uma casa de fazenda, que abriga várias gerações de uma mesma família, as quais se sucedem, nascem, casam ou não casam, morrem e revivem, alternam-se num destino comum, como se essa casa esteja exercendo forte atração, os domine, subjugue o destino de todos eles, os destrua e os recrie.
Quanto à estrutura romanesca, vê-se que existe uma personagem-narradora, que fala às vezes na primeira pessoa, e, na maior parte da narrativa, na terceira pessoa. Ela vem de um futuro para o passado, e caminha do passado para o futuro, para reviver, como testemunha ocular e cúmplice, e vivenciar fatos de ascendentes seus.
Mesmo quando a personagem-narradora está falando na terceira pessoa, como se ela estivesse distante dela mesma, assim mesmo ela interfere no texto, a marcar sua presença com comentários e digressões, o que não é comum na narrativa tradicional, mas uma liberdade concedida ao criador literário.
É um estilo pessoal e envolvente manipulado por Ana Clara Santiago, com uso de muitas metáforas e simbolismos, como o personagem jardineiro que teria perdido a visão por excesso de amor nutrido por uma das mulheres da família, ou a outra mulher que teria morrido por excesso de riso. Ou outro personagem que nasceu invisível e só a personagem-narradora consegue manter contato com ele, mesmo sem vê-lo, e com ele dialogar, com ele comunicar-se com tal intimidade e fervor que acabam consumando um relacionamento físico, sublimado pela Autora numa narração lírica.
Como afirmei no início que o mistério é o fundamento essencial neste romance, não nos cabe destacar mais um ou outro personagem, um ou outro episódio mais marcante, para não antecipar ao leitor os muitos mistérios, porque são inúmeras as situações enigmáticas, labirínticas, simbólicas, metafóricas, e a narrativa vai num crescente de envolvimento de todos os personagens, que vivem e vivenciam seu mistério particular no contexto de um mistério coletivo, como a vida é um labirinto coletivo dentro do qual nos inserimos com o mistério individual de cada um.

Moacir C. Lopes