Filhos da Pedra

Jesus olhou para o alto, não para o céu como pensavam alguns, mas para mim que flutuava a pouca distância. Ele ordenou:
- Volte, pois que não é chegada a sua hora.
Pensei em desobedecer, pois era agradável a sensação que eu sentia.
Ele, porém, foi mais enérgico e eu obedeci.
Depois Jesus falou com autoridade, dando-me ordens que eu não compreendi. Descobri que ele não falava comigo, mas sim com a criatura que me dominava. Paralelo ao nosso mundo existe a realidade espiritual. Feliz aquele que conhece esta realidade e só no bem direciona os pensamentos.
- O que você quer com esse menino? – Jesus perguntou.
Para o meu espanto, de minha boca ouvi a resposta:
- Ele é meu.
Jesus estava sério, porém não era agressivo.
- Quem é você?
O espírito imundo respondeu:
- Meu nome é Baltazar. Não tente me enganar, eu sei bem quem você é...
- Repito. O que você quer com esse menino?
- Menino?... Esse aqui?... Ele conseguiu me enganar por algum tempo, mas logo eu o reconheci... Ele está disfarçado... Mas sei bem quem ele é...
Jesus questionou:
- O que ele fez para merecer tal castigo?
De meus lábios saiu sinistra risada e saliva abundante escorreu pelo canto de minha boca.
- Fui pai desse monstro não sei há quanto tempo... Quando fiquei velho e não podia mais trabalhar, ele me trancou em um quarto e me alimentou apenas com o necessário para que eu não morresse de fome... Sempre que eu me sujava, ou sujava o quarto, ele me batia e obrigava a limpar... Não sei quantos anos passei nesse martírio... Só sei que um dia ele veio todo sorridente, me tratou com bondade e preparou a comida... Às vezes o arrependimento é tardio... Agradeci aos céus por colocar juízo na cabeça de meu filho. O que eu não sabia é que o maldito havia envenenado a comida e decretado o meu fim... Oh! Angústia das angústias, perdoamos os martírios do corpo e na nossa ignorância não aceitamos uma ofensa. Eu era pai, não estava preparado para mais aquela ingratidão... Senti minha garganta queimando e vomitei sangue... Lutei pela vida... Tentei sair de casa, mas o malvado me dominou... Arrastou-me pelos cabelos até que tombei, sem forças, ao pé da cama... Jurei me vingar... A vingança é a loucura da mente racional, pensamos agir com justiça, mas nos escravizamos na dor...
O espírito silenciou por um momento.
- Continue, por favor! - pediu Jesus.
- As minhas vistas escureceram e eu perdi a consciência... Não sei por quanto tempo demorou a minha loucura, mas entrei em um pesadelo sem fim... Bastou pensar no meu filho que me vi arrastado para perto de um bebê... Deus liga o criminoso com sua vítima através das forças do pensamento... No começo eu andava pela casa, sem entender... Ele era apenas uma criança... Um dia ele dormiu e se levantou como meu filho... Daquele dia em diante passei a agredi-lo... Tentei matá-lo, mas não consegui... Afetei-lhe ao menos a saúde... Agora eu o domino completamente...
O povo ao nosso redor olhava admirado. Jesus permanecia na sua costumeira tranquilidade. Ele pensou e depois disse:
- Não posso permitir que você continue em teu ofício, ele já sofreu o que precisava. Já pagou pelo que fez.
Para mim o que impressionava não eram as palavras, mas a energia que emanava dele.
A criatura, porém, não aceitou tal argumentação:
- É dever dos pais educar os filhos... Se eu permitir que ele permaneça no mundo provavelmente fará o mesmo com outra pessoa... Quem está em erro merece o castigo...
- Concordo que um pai tem o direito de educar o filho, principalmente para ajudar o filho a se afastar do erro. Porém, é dever do pai colocar o filho no bom caminho. Se ele sair do mundo agora, nunca aprenderá. Deixe-o em paz para que tenha os próprios filhos, trabalhe e devolva o que lhe tirou.
Jesus emanava energia.
O espírito imundo (...)
Leia a integralidade deste e outros relados no livro “Filhos da Pedra”